ar riscado


Me despertei com Los Hermanos e me botei pra viver nesse mundo naufragado.

Porque quando ouço música fico leve, e cadente. Igual aquela estrela cadente que você me prometeu...Ahh, a decadência da sua fala, me encanta e me deixa perdida num canto.

E a gente pode até ser feio , se tiver bonitesa enrustida numa propaganda de tênis que a gente tenta imitar com as poses.

Hoje, você veio e me disse, mais uma pessoa veio e me disse, que eu olhasse pra cima só que com os olhos fechados. E quando eu olhei ,abri os olhos,e lembrei do que Elis me cantava que “caía a tarde feito um viaduto”, eu tive medo, e me escondi, porque se a tarde cair em cima de mim, vou ficar a noite toda presa aqui. Paulo , o Leminski, já tinha me escrivido " Distraídos venceremos". 

Daí, ele veio,não o Paulo, outra pessoa, pegou minha mão e trouxe uma caixa de giz. E saímos pra descolo(b)rir  o mundo. Enxergando as ruas com olhos de cachorro, tudo em branco e preto. Que bonito, que tristeza. A visão é uma graça, a imagem uma desgraça que vem depois .

Agora paro e reflito. Ele para e me reflete. “Somos carente caretas, lembra?” Claro, você não me deixa esquecer. É  que as imagens e frases vem assim na minha cabeça. Acho que tenho algum problema sério, pois isso são apenas flashes inconscientes. Sou tão cubista, me desculpe não ser inteira e não acabar um parágrafo direito, minhas idéias são momentâneas, e quando escrevo já não são mais minhas. É dificil paragrafear essa mistura metida e dadaísta.

O que eu te escrevi no guardanapo, eu não lembro. Só a marca de batom amarga ficou para contar um pouco da nossa história tão sem graça, não tínhamos visão, nem futuro. Éramos tão presentes, era deprimente. Alguém num futuro próximo, vai achar aquele guardanapo, com a tal marca de batom , vão fazer uma biópsia, e descobrir que eu não era cliente do Boticário. 


A gente brigou, brigou feio. E você me expos na praça central. Jogou todo meu particular a vista, escancarou nosso amor, se é que aquilo era alguma coisa. O giz caiu da minha mão. Fechei minha boca, esqueça. Desculpe o aue, a Rita eu não sei, mas eu não queria magoar você.

Molho para pé e creme de pimenta

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Ela arrumava o cabelo com grampos, amarrava o lenço á moda portuguesa. Tinha bolinhas vermelhas  e brancas já desbotadas. Ele completava as palavras-cruzadas.

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Ela continuava acentuando idéia e pára. Era sua revolta contra o sistema...ele plantava bananeira depois que chegava do trabalho, até sentir que sua circulação cerebral havia voltado.

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Ele comia pipoca com o molho de pimenta que ela preparava tão bem na panela de ferro. Ela o esperava sentada com seu salto alto 30. Ela falava o nome de todos com quem já tinha ido para cama quando dormia. Ainda bem que não eram muitos nomes.

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Ele se esquecera um dia do aniversário de namoro. Ela esqueceu um dia que tinha namorado.  Eles se esqueceram de pagar a conta da luz. A luz não fez diferença nenhuma.
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“Está tudo bem” ela disse. Ele tentou se explicar. “Eu já estava sozinha antes”. Isso era lógico. Sempre estávamos sozinhos antes. E depois também.

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Quando era moça andava uma hora para chegar ao trabalho, e voltava de noite sozinha cantarolando os sucesso hollywoodianos. Ele comprou filmes do Wood Allen por metade do preço e foi roubado pelo seu amigo da repartição que pensou que aquilo era o novo programa para formatar computadores pela metade do preço. Depois o amigo ficou com vergonha e medo de devolvê-los e achou melhor jogar aquilo no lixo.

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Ele saiu um dia sem calça.  Apenas usava sua camiseta social, ceroulas(gosto de imaginá-las de cetim e vermelho quase vinho), meias compridas. Foi até o baile. “Zé as calças!” olhou para baixo “Cacildas!”. Casou-se velho.

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Ela gostava de andar, e um dia andou tanto que chegou ao fim do mundo. Ai deu meia volta e volto para seu ninho. Na volta encontrou um homem que procurava suas calças. Se casaram e o amor durou até o fim do disco, riscado.

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As lágrimas escorreram e caíram na página do livro. 142. Ops. Já tinha lido aquela página.  Entrou por um banheiro saiu pelo outro, quem quiser que  de descarga. Ela sempre se esquecia.

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Acordava, arrumava a cama, fazia o café, acordava os filhos, alimentava, tranceava, amarrava o sapatos, escovava os dentes, escovava a pia, limpava o chão, trabalhava, lavava, lustrava, cozinhava. Comia, limpava, passava, corria, se atrasava. Brigava, chegava em casa e todos tinham que mostrar as lições, jantavam. Tomava banho, arrumava, punha as crianças para dormir. E depois, depois, com os pés cansados de tanto ava, avar...sentava no sofá pegava o creme para os pés. Não tinha ninguém que massageasse seus pés de gata borralheira. Acabava adormecendo vendo a novela, sem passar o creme. E quando acordava estava toda lambuzada no rosto e nos pés de creme,e as crianças riam na sala.